Explore o Livro do Gênesis: da criação ao povo de Israel, descubra as origens do mundo e a teologia da salvação na Bíblia.
Na Bíblia hebraica, o primeiro livro tem o nome de Bereshit (“no princípio”), palavra com a qual se inicia a obra. A Bíblia grega o denomina Gênesis por seu conteúdo, já que descreve a origem do mundo, do homem e do povo de Israel. Gênesis traz em si uma revelação sobre os temas básicos das origens, que diz respeito a cada pessoa e à sua realidade como criatura.
Estrutura do livro de Gênesis #
A estruturação mais tradicional distingue em Gênesis duas grandes partes: a história primitiva (1−11) e a história patriarcal (12−50). A primeira parte compreende a origem do universo (1,1−2,4a), a criação do homem e da mulher, sua elevação à ordem sobrenatural e sua queda (2,4b−3,24).
Muitos autores, todavia, pensam a estrutura do livro a partir do termo toledot, que divide o livro em dez seções. Esse termo, sempre no plural, pode ser traduzido como “gerações”:
- Geração do céu e da terra (2,4a);
- Geração de Adão (5,1), com a história de Adão a Noé;
- Geração de Noé (6,9), com a história de Noé e o relato do dilúvio;
- Geração dos filhos de Noé (10,1), Sem, Cam e Jafet;
- Geração de Sem (11,10), com a genealogia desde Sem a Taré, pai de Abraão;
- Geração de Taré (11,27), na qual ocupa um lugar especial a história de Abraão;
- Geração de Isaac (25,19), fórmula que introduz os atos desse patriarca e de seus filhos Esaú e Jacó;
- Geração de Esaú (36,1.9), com a lista dos filhos de Esaú;
- Geração de Jacó (37,2), com a história de José e seus irmãos, filhos de Jacó.
O gênero literário das toledot (“gerações”) objetiva comunicar uma mensagem peculiar. Essa fórmula, de fato, manifesta a progressiva eleição divina orientada à realização do projeto de salvação.
Mensagem teológica
Gênesis ocupa um lugar proeminente entre todos os livros do Antigo Testamento, pois dele emerge uma doutrina sobre Deus, o homem e a história da salvação. A imagem que emerge de Deus nesse livro é a de um Deus único, criador, transcendente, que traz tudo à existência com sua palavra, um Deus de todos os homens, dos patriarcas e do povo de Israel. A história da salvação descrita em Gênesis gira em torno de alguns temas importantes: a bênção, a promessa, a aliança e a eleição divina.
O Novo Testamento e, posteriormente, a teologia patrística recorreram a esse livro de modo preferencial, juntamente com Isaías e Salmos. O Novo Testamento fala de Adão como cabeça da humanidade, contrapondo-o à nova humanidade regenerada em Cristo (Rm 5,12-21; 1Cor 15,15-49); à serpente, identificada com Satanás, aludem Jo 8,44; 2Cor 11,3 e Ap 12; a figura de Abel e dos justos que agradaram a Deus por sua fé é recordada em diversas ocasiões (Mt 23,35; Hb 11,4).
Sobretudo a figura de Abraão adquire um grande relevo como pai do povo eleito e modelo de crente justificado pela fé (Rm 4; Gl 3,6; Hb 11,2.8-12). São também mencionados Melquisedec – figura de Cristo sacerdote (Hb 7,1-22) –, Isaac e sua mãe Sara, tipos, respectivamente, de filhos da promessa e da Igreja (Gl 4,21-31).
Ao apresentar as diversas figuras da história, o Gênesis apresenta os elementos para uma antropologia teológica. O homem é uma criatura que, em sua vida histórica, é chamado a entrar em comunhão com Deus. O homem é o centro da criação e a imagem de Deus. Em sua realidade histórica, Adão é um sujeito livre, princípio da humanidade futura (Gn 2,7; 3,15). A história da humanidade é a realização de um desígnio universal. A história do primeiro homem em Gn 1–5 se apresenta como uma grandiosa etiologia teológica: o primeiro homem é o arquétipo para representar aquilo que, na perspectiva da história da salvação, tinha importância para todos os homens e, sobretudo, para a posição de Israel.
Data e autor da obra #
Falar da data de composição de Gênesis e de sua autoria é falar da composição de todo o Pentateuco. A teologia primordial atribuía a Moisés a autoria de todo o Pentateuco. Não demorou muito para se perceber o absurdo dessa crença. Nenhum homem conseguiria vivenciar e escrever tantos dados díspares na história de Israel. Além disso, Moisés não poderia escrever sobre sua própria morte, como acontece no livro do Deuteronômio.
Posteriormente, a teoria das quatro fontes do Pentateuco ganhou força quase como verdade incontestável. Os cinco primeiros livros da Bíblia seriam a consolidação de quatro fontes: javista, eloísta, sacerdotal e deuteronômica. Para quase todos os estudiosos, o Pentateuco seria uma obra da época de Salomão. Durante seu reinado, teria havido um “renascimento salomônico”. Nessa época, teriam sido produzidos diversos livros, entre eles o Pentateuco.
Hoje, os estudiosos divergem bastante quanto à produção do Pentateuco. Tantas foram as teorias que, nas palavras do então cardeal Ratzinger, seriam um “cemitério de hipóteses”. É consenso atual que no Pentateuco não existem quatro fontes completas. “Fonte” seria um documento que atravessasse toda a obra dos cinco livros com começo, meio e fim. Para ser considerado “fonte”, o documento deve ser completo, e não apenas fragmentos. Assim, as únicas antigas fontes que subsistem a essa pesada exigência seriam a sacerdotal e a deuteronômica. Na constatação da professora Bruna Costacurta, a teoria eloísta estaria morta e a javista tenta sobreviver.
Para quase todos os estudiosos hodiernos, há duas fontes completas: sacerdotal e deuteronômica. A javista ainda é tema de estudos, mas a eloísta seria aquilo que não pôde ser enquadrado nas outras fontes. É certo também que a época de Salomão não pode ser o contexto histórico de composição. O pós-exílio é quase unanimemente considerado o tempo mais indicado.
Diante de tantas hipóteses e incertezas, tende-se hoje a dar menos importância ao estudo da pré-composição do Pentateuco. Os estudiosos preferem uma leitura sincrônica da obra. Mais importante é considerar o texto tal qual ele nos chegou, com suas complicações textuais, mas respeitando a intenção do redator final.
Da história dos patriarcas do Gênesis é possível perfilar toda uma série de conclusões teológicas. Com Abraão iniciou-se um diálogo entre Deus e o homem, que não terá fim e será retomado e continuado no Antigo e Novo Testamento.
O ritmo fundamental da história de Abraão está incluído nestas simples palavras: “Disse Deus… Abraão respondeu.” O risco de Deus com um homem e o risco de um homem com Deus formam o vínculo interno que encerra todos os textos. Com Abrão começa a manifestar-se em plenitude a gratuidade da iniciativa divina e se esclarece o tema da eleição mediante um interesse de Deus pelos homens que atingirá sua consumação com a encarnação do Filho de Deus. O que distingue a história de Abraão da pré-história bíblica é a evidência com que se manifestam a iniciativa e a direção divina: “Farei de ti uma grande nação… Quero fazer aliança contigo…” (Gn 12,2; 13,16; 17,1ss).
Isaac é aquele que é só por disposição e graça de Deus. Em Isaac aparece claramente como a vida do homem é um dom puramente gratuito de Deus. Seu nascimento é graça: sua mãe é estéril e concebe por um dom divino (Gn 21,1-7; Gn 18,14). Essa intervenção graciosa manifesta-se em todos os momentos de sua vida: é escolhido de preferência a Ismael (Gn 16,8ss; 21,8-21), é salvo por intervenção de Deus (Gn 22,1-19), seu casamento é manifestação da ação divina (Gn 24), assim como a geração de seus filhos (Gn 21,1-12; 25,19-21) e sua vida agrícola e pastoril (Gn 26,12s).
Jacó é o pai de Israel, o pai das doze tribos. Sua vida é o protótipo da vida do povo: vida de esperança e de ingratidão, vida de graça e de pecado. Deus manifesta em Jacó a gratuidade imprevisível de sua eleição. Escolhe o mais novo e rejeita o primogênito (Gn 25,23). A eleição divina manifesta-se por meio dos piores equívocos humanos. Enquanto na vida de Abraão e de Isaac Deus intervém de modo bem tangível, na história de Jacó a ação divina é geralmente escondida e inexplicável (Gn 27,18-40). Contudo, mediante esses enganos, desvios e intrigas tão frequentes na vida de Jacó, a graça divina logra insistentemente permanecer. Apesar de tudo, o Deus de Abraão e de Isaac se ocupa de Jacó. A oração de Jacó (Gn 32,24-30), no contexto dessa luta com Deus, constitui um vértice na história do povo de Israel; é a ligação da história terrena com a ação salvífica de Deus. Desde essa época, quem fala do povo de Israel nomeia Jacó. Israel, o novo nome de Jacó, passou a ser o nome do Povo de Deus (Gn 35,10). Na vida de Jacó transparece a complexidade da História da Salvação, que é a salvação na história: uma trama de graça e pecado.
A história de José, por sua vez, é marcada pela reconciliação e fraternidade. O justo, vendido como escravo, é capaz de um abraço de perdão, protótipo daquele que recebe o filho pródigo. José é um homem cuja vida está inteiramente entregue nas mãos de Deus. Seu futuro e sucesso dependem da ação silenciosa de Deus na trama dos acontecimentos. No sofrimento e no meio das calúnias, José conservou e aumentou sua confiança e esperança no auxílio divino. Os indivíduos provados pela dor e, em seguida, todo o povo de Israel, obrigado a viver no exílio e no cativeiro, podiam confortar-se e consolar-se com a história de José. Assim como para ele, também para a nação prisioneira e deportada, havia de chegar o dia em que o Senhor manifestaria o seu próprio poder, libertando seu povo.
Bíblia de Estudos Ave-Maria – Todos os direitos reservados.
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