Explore a narrativa bíblica da criação em Gênesis 1, onde Deus estabelece a ordem e a harmonia do universo em seis dias, culminando na criação da humanidade.
1 No princípio, Deus criou o céu e a terra.ᵃ 2 A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.
3 Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita. 4 Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. 5 Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia.
6 Deus disse: “Faça-se um firmamento entre as águas, e separe ele umas das outras”. 7 Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam debaixo do firmamento daquelas que estavam por cima. 8 E assim se fez. Deus chamou ao firmamento céu. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o segundo dia.
9 Deus disse: “Que as águas que estão debaixo do céu se juntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido”. E assim se fez. 10 Deus chamou ao elemento árido terra, e ao ajuntamento das águas mar. E Deus viu que isso era bom.
11 Deus disse: “Produza a terra plantas, ervas que contenham semente e árvores frutíferas que deem fruto segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua semente”. E assim foi feito. 12 A terra produziu plantas, ervas que contêm semente segundo a sua espécie, e árvores que produzem fruto segundo a sua espécie, contendo o fruto a sua semente. E Deus viu que isso era bom. 13 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o terceiro dia.
14 Deus disse: “Façam-se luzeiros no firmamento do céu para separar o dia da noite. Que sirvam eles de sinais e marquem o tempo, os dias e os anos, 15 e resplandeçam no firmamento do céu para iluminar a terra”. E assim se fez. 16 Deus fez os dois grandes luzeiros: o maior para presidir o dia e o menor para presidir a noite; e fez também as estrelas. 17 Deus colocou-os no firmamento do céu para que iluminassem a terra, 18 presidissem o dia e a noite, e separassem a luz das trevas. E Deus viu que isso era bom. 19 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o quarto dia.
20 Deus disse: “Pululem as águas de uma multidão de seres vivos, e voem aves sobre a terra, debaixo do firmamento do céu”. 21 Deus criou os monstros marinhos e toda a multidão de seres vivos que enchem as águas, segundo a sua espécie, e todas as aves segundo a sua espécie. E Deus viu que isso era bom. 22 Deus os abençoou: “Frutificai – disse ele – e multiplicai-vos, e enchei as águas do mar, e que as aves se multipliquem sobre a terra”. 23 Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o quinto dia.
24 Deus disse: “Produza a terra seres vivos segundo a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selvagens, segundo a sua espécie”. E assim se fez. 25 Deus fez os animais selvagens segundo a sua espécie, os animais domésticos igualmente, e da mesma forma todos os animais que se arrastam sobre a terra. E Deus viu que isso era bom.
26 Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”. 27 Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. 28 Deus os abençoou: “Frutificai – disse ele – e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”.
29 Deus disse: “Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento. 30 E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu, a tudo o que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, eu dou toda a erva verde por alimento”. E assim se fez.
31 Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia.
Comentário de Gênesis 1 #
a) Gn 1,1–2,4a A criação. Durante muito tempo acreditou-se que este relato, com o qual se inicia o Gênesis, fosse o primeiro e o mais antigo escrito na Bíblia. É provável que os materiais e as tradições empregados aqui sejam sim muito antigos, mas está provado que sua redação é provavelmente uma das últimas escritas no Pentateuco. O estilo em que está redigido é obra da escola sacerdotal (P) e seu escopo carece de todo interesse científico. Como já sabemos, o povo judeu encontrava-se, então, a um passo de aceitar a religião babilônica. O que exigia e do que precisava não era uma lição de pré-história, mas sim princípios que o ajudassem a entender os séculos de história vivida, para não afundar completamente na crítica situação que estava atravessando. Respirava-se um ar de derrota, de fracasso, de horizontes fechados, de desconfiança em relação a todo tipo de instituição. E, o que era ainda mais perigoso, sob o ponto de vista religioso, existia um ambiente de desconfiança para com seu Deus e até certa suspeita de que ele, e somente ele, era o responsável, não só pelos males passados, mas também pelos do presente.
A primeira intenção dos sábios de Israel era libertar Deus de toda responsabilidade em relação à injustiça e ao mal no mundo. Com materiais de cosmogonias de outros povos orientais, compõem um relato que busca, pela poesia, incutir na mente dos crentes a ideia de que, desde o princípio, Deus havia criado tudo com grande harmonia e bondade e que, portanto, não havia na mente de Deus nenhum propósito negativo.
O hino ou poema responde a um esquema setenário de criação. Deus cria tudo quanto existe em seis dias e, ao sétimo, consagra o descanso, o que também deve ser imitado pelo povo. Vários elementos repetem-se ao longo do poema com a intenção de que fiquem bem impressos na mente do crente. Não se trata de uma teoria sobre a formação do mundo nem sobre o aparecimento da vida e das espécies. Na obra há razões muito mais profundas e sérias que a impulsionam.
Sem dúvida alguma, o crente judeu vive uma encruzilhada histórica: o Senhor Javé, seu Deus, foi derrotado; o povo perdeu suas instituições e seus opressores forçam-no a aceitar a atraente religião babilônica, com seu culto e seus ritos. Para esses fiéis tentados, o poema é todo ele pura catequese, um canto à resistência que convida a manter firme a fé no único e verdadeiro Deus de Israel.
Vejamos as possíveis intenções e consequências subjacentes ao relato. 1) A criação é fruto da bondade absoluta de Deus. Aqui aparece uma onipotência criadora, cuja palavra única faz aparecer tudo o que existe, com o cunho característico de que tudo é “bom”. Já nos mitos e cosmogonias dos povos vizinhos, a criação é dada por lutas e confrontos violentos entre as divindades. 2) Na criação, tudo obedece a um plano harmônico; cada elemento cumpre uma função determinada: os astros iluminam o dia ou a noite e determinam a passagem do tempo e a mudança das estações. Cada criatura existe para servir ao ser humano, não o contrário. Isso contrasta com a percepção de outras religiões, entre elas a babilônica, nas quais astros e animais eram adorados como divindades, diante dos quais muitos imolavam inclusive seus filhos. Jamais isso esteve presente na mente criadora de Deus. 3) Dá-se outro passo adiante na tomada de consciência referente à relação de Deus com o ser humano e o mundo, ao se destacar a responsabilidade própria do homem e da mulher no conjunto harmônico criado por Deus mediante sua palavra. Não é acidental o fato de o ser humano, homem e mulher, ter sido criado no último dia, na ordem temporal marcada nesse poema.
No ambiente de injustiça, de desigualdade e de dominação por parte de quem se acredita amo e senhor do mundo, opõe-se este novo elemento de resistência: Deus cria o homem e a mulher à sua própria imagem e semelhança, para que administrem conjuntamente sua obra em igualdade de responsabilidades. Sua imagem e semelhança com Deus era o projeto próprio do ser humano como casal: construir cada dia essa imagem e semelhança, mantendo a fidelidade ao projeto harmônico e bondoso do princípio, sem dominar os outros nem sujeitar à tirania os fracos ou o resto da criação. 4) Na criação, existe uma ordem e uma harmonia, não só porque é fruto da palavra criadora de Deus, mas porque ele mesmo ratificou essa harmonia e essa bondade com sua bênção, algo que é exclusivo dele e que aqui é também uma mensagem esperançosa para enfrentar a dura situação de submissão em que se encontravam os israelitas. 5) Finalmente, o descanso sabático é um novo convite à resistência contra o poder opressor, que hoje retoma grande vigor. Nem mesmo Deus, em sua atividade criadora, omitiu esse aspecto do descanso. O ser humano não pode se transformar em um agente de trabalho e de produção; o descanso também faz parte da harmonia e finalidade da criação e, portanto, está incluído na imagem e semelhança de seu Criador e que o ser humano leva em si.
Existem, pois, muitos elementos que fazem deste relato um motivo para crer, para esperar e, sobretudo, para resistir contra tudo aquilo ou aqueles que pretendem suplantar a vontade criadora e libertadora de Deus neste mundo.
Referências – Versículos relacionados à Gênesis 1 #
Gn 1,8. E assim se fez: esta frase teria sua colocação normal no fim do v. 6. Igualmente, seria preciso supri-la no v. 20.
Gn 1,24. Répteis: todos os pequenos animais que se arrastam sobre o solo.
Gn 1,27. Texto citado em Mt 19,4; Mc 10,6.
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